Tristeza, cansaço, baby blues, depressão pós-parto. Em conversa com o Portal Mommys, a psiquiatra perinatal Juliana Parada fala mais sobre o puerpério, período que sucede o parto e é uma fase de profundas transformações para a mãe e todo o núcleo familiar.

O que é puerpério e quanto tempo ele pode durar?

Do ponto de vista obstétrico, o puerpério corresponde às primeiras seis semanas após o nascimento do bebê. Neste período, os órgãos internos e a fisiologia da mulher vão retomando as características de antes da gravidez. Porém, do ponto de vista psicológico, o puerpério é bem mais prolongado. Eu definiria o “puerpério emocional” como o período de tempo necessário para a mulher se adaptar ao novo papel de mãe e se reequilibrar com os demais papéis de sua vida (mãe, mulher, esposa, profissional, dona-de-casa e tantos outros papéis desempenhados por ela). Assim, não é possível dizer quanto tempo dura o puerpério, pois varia de mulher para mulher. Mas com minha prática clínica, eu diria que cerca de 2 a 4 anos para a maioria de nós.

O que é baby blues?

O Baby Blues, também chamado “tristeza materna”, é um estado de alterações de humor que ocorre em até 80% das recém-mães. É um processo fisiológico, normal, e até esperado. Nas primeiras duas semanas após o nascimento do bebê a mulher pode ficar sensível, chorosa, ansiosa, irritável, tensa.

Estas alterações têm relação com vários fatores: um deles é queda abrupta dos altos níveis de hormônios da gravidez logo após o parto, com a saída da placenta. Existem as dificuldades relacionadas à privação de sono e estabelecimento da amamentação. Assim como a perda de referenciais para suas próprias necessidades fisiológicas: se alimentar ou tomar banho com calma, descansar, dormir e acordar na hora que quiser. A mulher entra em um processo emocional de fusão com o bebê, aquele “estranho íntimo” que chegou virando sua vida de “cabeça para baixo”. Além disso, lidamos com expectativas e inseguranças com as novas habilidades que o “tornar-se-mãe” exige. E é normal vivermos um o luto, tanto pela irreversibilidade de voltar a ser a mulher que antes fomos, quanto pela perda da liberdade. Ou seja, uma série de processos emocionais intensos deflagra com o parto.

Algumas famílias ficam surpresas e preocupadas com a intensidade dos sintomas, acreditando que a mulher esteja “com depressão”. Muitos profissionais também, sobretudo obstetras e pediatras. Neste contexto, não é raro que as mulheres sejam desnecessariamente medicadas. O importante é saber que o Baby Blues é autolimitado. Ou seja: seus sintomas terminam por volta de duas semanas após o parto. Se após este período a mulher não melhorar, ela deve ser avaliada por um especialista.

Ressalto, ainda, que mesmo durante o período de Baby blues, se a mulher apresentar ideias de suicídio ou discurso de morte, é importante que seja avaliada por um psiquiatra (de preferência com urgência).

Qual é a importância da família neste momento e como ela pode ajudar?

A família é fundamental para apoiar a mulher neste período. O ideal seria que eles entrassem para favorecer tempo e espaço para a mãe se entrosar com seu bebê. O marido passa a ser o centro da reestruturação da família. Deve entrar no lugar de proteger a esposa e seu bebê, salvaguardando que as coisas aconteçam principalmente conforme a mulher sentir necessidade. Deve cuidar de sua esposa, tanto no sentido prático do dia-a-dia, quanto no sentido de apoio afetivo. Escutar, oferecer atenção e afeto, nesta hora em que essa mãe fica tão inviabilizada socialmente. Ele pode também evitar que a mulher passe por situações geradoras de incômodos nas relações familiares. Por exemplo, colocando limites nas visitas em momentos de fragilidade ou necessidade de descanso da mulher.

De maneira geral, a rede de apoio deve priorizar contribuir com tarefas cotidianas: organização da casa, refeições, compras e limpeza. Perguntem do que a mulher precisa naquele momento. Respeitar a mãe e sua forma de fazer as coisas, evitando palpites, comentários desnecessários e julgamentos. No mais, se a família souber que Baby Blues existe, todos poderão contribuir como suporte emocional para a mulher. Poderão auxiliar validando e acolhendo suas queixas e dores, sem minimizar o impacto que a chegada de um bebê exerce na vida de cada um, mesmo que no fim das contas esteja “tudo bem”.

Qual é a diferença entre Baby Blues e depressão pós-parto?

O Baby Blues dura duas semanas ou pouco mais que isso, sendo uma reação normal e esperada em grande parte das mulheres. Já a depressão pós-parto é mais duradoura e prolongada, os sintomas trazem bastante sofrimento para a mãe e impactam na relação com o bebê. Trata-se de uma doença, que requer tratamento.

Esta doença é uma das principais complicações maternas e afeta uma em cada cinco mulheres no primeiro ano de vida do filho. Muitos casos não são identificados e não recebem tratamento adequado. Quando não tratada, a depressão pós-parto pode se cronificar, durando até anos após o nascimento do filho.

Como identificar a depressão pós-parto e quais os sintomas mais comuns?

  • Na depressão pós-parto a mulher pode se apresentar entristecida ou desinteressada na maior parte do tempo.
  • A capacidade de sentir prazer diminui, assim como o desejo de interagir socialmente e conversar com as pessoas. Isso muitas vezes impacta a relação da mãe com o bebê.
  • As sensações de exaustão e cansaço extremo são queixas frequentes. O sono pode ficar alterado, assim como o apetite.
  • Usualmente existe um grau de tensão, ansiedade, dificuldade em relaxar, pensamentos negativos sobre o futuro e sobre o bebê, arrependimento pela maternidade, obsessões sobre a saúde do bebê ou medo de machucá-lo, por exemplo.
  • O sentimento de culpa materna quase sempre se apresenta, tanto pelas coisas que “deram errado” e pelas que “ainda irão dar”.

Muitas mulheres se sentem envergonhadas por estarem deprimidas após o nascimento do filho. Assim, tentam ocultar o sintomas, mantendo-os em segredo, procurando aparentar felizes e sorridentes. Assim, estas mulheres podem aparentar emocionalmente bem enquanto na interação social, mas estão com grande sofrimento interno. É o que eu costumo chamar a atenção, pois a depressão pode estar “mascarada” por um comportamento voluntário semelhante ao que é esperado socialmente.

O que leva uma mãe a ter depressão pós-parto?

São inúmeros fatores, nem todos totalmente compreendidos. Mas vou listar os mais importantes, para que todos fiquem atentos às mulheres que apresentem UM ou mais dos fatores de risco abaixo:

  • História pessoal de quadro depressivo ou outro quadro psiquiátrico prévio;
  • Gestação indesejada, não aceita ou rejeitada pelo parceiro ou familiares
  • Presença de sintomas depressivos e ansiosos na gestação
  • Violência do parceiro íntimo na gestação;
  • Situação econômica estressor ou outras fontes de estresse durante a gestação;
  • Complicações obstétricas;
  • Partos traumáticos;
  • Baby Blues muito intenso.

Qual profissional mais adequado para tratar a depressão pós-parto?

O psiquiatra é o profissional mais adequado para avaliar e indicar tratamentos para mulheres durante a gestação ou após o parto. E não necessariamente ele indicará o uso de medicamentos. Medidas como atividades físicas, psicoterapia, melhora da higiene do sono, podem ser suficientes para os quadros leves. Já em casos moderados e graves o uso de medicamentos é usualmente indicado, uma vez que o equilíbrio psíquico da mulher é fundamental para sua vinculação com o bebê.

Mulheres com discurso suicida devem ser avaliadas com urgência, de preferência por um psiquiatra.

No entanto, no Brasil, a maioria das mulheres não tem acesso a especialidade da psiquiatra. Neste caso, o próprio obstetra ou pediatra podem iniciar o tratamento e o médico de saúde de família continuar o acompanhamento da mulher.

Existe alguma forma de evitar o baby blues ou a depressão pós-parto?

Medidas de estilo de vida saudável podem aliviar sintomas de ansiedade e humor, auxiliando no equilíbrio emocional da mãe desde a gestação. Nutrição adequada, uso de alguns chás, práticas de autocuidados e de conexão mente e corpo, como Mindfulness e yoga. Prática regular de exercícios físicos na gestação e após o parto, incluindo exercícios de força, de preferência após avaliação do assoalho pélvico por um fisioterapeuta especializado.

Qual o tratamento mais adequado para a depressão pós-parto?

Para casos leves as mesmas medidas descritas acima podem ser suficientes. Já em outros casos, a intensidade dos sintomas e o sofrimento da mulher é tamanho, que o benefício do uso de medicamentos é marcante e seu uso é indicado com muita segurança.

A maioria dos medicamentos de uso habitual na psiquiatria é, sim, compatível com a amamentação.

A necessidade de um tratamento psiquiátrico não contra-indica a amamentação e ninguém precisa fazer o desmame para poder se tratar. Ou seja, continue amamentando, faça seu tratamento, melhore e seja feliz!

Algum recado que gostaria de deixar para as mães que estão no puerpério ou enfrentando uma depressão pós-parto?

  • Para as gestantes: permitir desacelerar é fundamental. Abra espaços na sua vida e no seu interior para receber seu bebê. Aumentem a conexão mente-corpo. Atividades como yoga, Mindfulness, preparo para o parto, fisioterapia, meditações guiadas. Elas podem, inclusive, favorecer o fortalecimento da resiliência, habilidade importante para lidar com inúmeras circunstâncias de “expectativa versus realidade”.
  • No pós-parto, brinco que nos primeiros quinze dias o lema é “keep calm”. Lembre-se da impermanência: pode ser apenas o Baby Blues, que logo deve passar.
  • Se você não observar melhora no humor ou nos níveis de tensão e ansiedade depois do primeiro mês de vida do bebê, pode ser um caso de adoecimento psíquico. A maior parte dos casos tende a se manifestar nos primeiros meses após o parto, mas existem aqueles que se apresentam mais tarde, como no retorno ao trabalho ou como consequência de privação de sono ou outros fatores.
  • Se você tem dúvidas quanto ao seu estado emocional após o parto, é importante procurar avaliação. Não deixe que a culpa, vergonha ou os tabus de realizar um tratamento psiquiátrico te impeçam de buscar ajuda. Você agradecerá, seu filho também, o marido e toda a família!

Siga observando seu estado emocional. Por mais que existam dificuldades e receios, a maternidade deve ser leve e prazeirosa.

Juliana Parada é Psiquiatra perinatal, Fundadora do Sentir Mulher e ativista pela saúde mental materna

 

Juliana Parada é Psiquiatra perinatal, Fundadora do Sentir Mulher e ativista pela saúde mental materna

 

 

Se você se interessou pelo assunto e quer saber mais a respeito, confira a última edição da Revista Mommys, que traz o puerpério como tema da matéria de capa.

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