Como ensinar o valor do dinheiro às crianças? Quando devemos introduzir o assunto? É responsabilidade dos pais dar exemplos saudáveis na hora de mostrar a importância do equilíbrio financeiro? E qual a melhor forma de fazer isso?

São tantas questões não é mesmo?! Por este motivo, convidamos o economista e autor dos livros “Meu dinheirinho” e “Sim! Dinheiro é assunto para crianças!”, Carlos Eduardo Costa, para falar mais sobre o tema e esclarecer as dúvidas mais frequentes dos pais quando o assunto é a educação financeira dos pequenos.

Confira a seguir:


  1. Existe idade ideal para se falar sobre dinheiro com as crianças? Se sim, qual seria o melhor momento para introduzir o assunto?

Começar a falar de dinheiro com os nossos filhos está ligado a interação deles com o mundo do dinheiro. Tão logo uma criança comece a interagir com o mundo do dinheiro, mundo do consumo, os pais devem começar a trabalhar com eles os pilares de uma boa educação financeira, ou seja, ensiná-los a ganhar; a gastar; a poupar e a doar.

E como os pais devem trabalhar isso com seus filhos? Utilizando de situações do cotidiano de cada família para, pouco a pouco, trabalhar esses pilares com eles. E, obviamente, respeitando a maturidade dessas crianças. As pesquisas e a própria realidade mostram que elas têm interagido cada vez mais cedo com o mundo do dinheiro. Então os pais devem ficar atentos e começar desde cedo a trabalhar com seus filhos esses pilares.

  1. Por que entender sobre dinheiro desde cedo é importante?

Porque os filhos participam cada vez mais ativamente da vida financeira de uma família. Se, então, eu tiver filhos mais conscientes, com uma relação melhor com o dinheiro, o impacto vai ser no cotidiano dessa família. Ou seja, eu já colho frutos no presente financeiro, mas o alcance é muito maior, pois se eles forem crianças bem educadas financeiramente, depois se transformarão em adultos bem educados financeiramente.

  1. Quando os pais devem começar a dar dinheiro para as crianças?

O processo da relação de uma criança com o dinheiro de uma forma mais concreta, vai começando aos poucos, degrau a degrau. O primeiro passo acontece quando o filho ou a filha está junto aos pais e pede: “Papai, posso pagar isso que você esta comprando?”. E essa criança entrega o dinheiro para a atendente, por exemplo. Outro passo é a criança pedir o dinheiro para ela mesma comprar alguma coisa. Aí os pais já devem falar sobre troco, de ter cuidado com ele, etc. Ou seja, a gente nao deve pular etapas. E, obviamente, isso acontece em momentos diferentes, de acordo com a maturidade de cada criança.

  1. Vale remunerar uma criança que ajuda com determinadas tarefas na casa ou não? Por que?

Eu sigo uma linha com outros educadores financeiros, que acreditam que é um risco muito grande atrelar situações do cotidiano de uma família à questão financeira, à remuneração. Por exemplo: tabelas de aumentar a mesada caso meu filho lave a louça ou arrume a cama, por exemplo. Mas por que isso? Porque a gente precisa criar nossos filhos e mostrar pra eles que algumas coisas têm que ser feiras, porque tem que ser feitas. Algumas atividades em nossa casa devem acontecer e cada um tem suas responsabilidades e cada família vai determinar essas responsabilidades.

Quando eu começo a atrelar todas essas atividades à dinheiro, eu vou correr dois riscos: o primeiro é de criar uma criança com espírito, comportamento mercenário, ou seja, uma pessoa que só faz as coisas para ganhar dinheiro. O outro risco seria, se eu por exemplo estipulo para minha filha que se ela não arrumar a cama vai significar dois reais a menos na semanada dela, o risco que eu corro é dela virar pra mim e falar: “tudo bem, papai, pode descontar. Eu não vou arrumar”. Quem vai arrumar então?

Obviamente que situações que fogem do dia a dia não há problema nenhum de você remunerar, como você poderia remunerar qualquer outra pessoa. Por exemplo, naquela casa, volta e meia o pai contrata alguém para lavar o carro. Não há problema nenhum, se o filho já tiver condição de fazer isso, de repente ele desempenhar essa tarefa e assim, como uma atividade extra, receber por isso.

Eu, das memorias mais bacanas que tenho da minha vida, me lembro quando nas férias, eu ia pro escritório do meu avô e eu ficava lá, à disposição dele. Eu era o office boy dele. E no final do mês eu ganhava o meu dinheiro. Não atrapalhou em nada os meus estudos e mostrou a dignidade que a gente tem a partir do trabalho. Acho que isso também é importante pra passar esse valor pros nossos filhos.

  1. O que você pode dizer sobre a mesada (ou semanada)? É um bom instrumento de educação financeira? Se sim, qual a melhor forma de utilizá-lo?

Sim, mesada pode ser uma boa ferramenta de educação financeira, obviamente que se bem utilizada, como qualquer outra ferramenta.

A primeira dica é que, para as crianças menores, a gente deve trabalhar com a semanada, porque elas vão criando a relação com o tempo ao longo do tempo. Se eu dou uma mesada pra uma criança que por enquanto só domina os dias da semana, isso não vai ter muito sentido pra ela, ela nao vai saber cuidar daquilo. Já uma criança mais velha, ja tem o domínio daquele mês e tem a capacidade de cuidar do seu dinheiro ao longo daquele mês.

Uma coisa importante e que deve ficar claro para a criança é quais são as responsabilidades dela com aquele dinheiro. Pra que que ele serve?

Porque não tem muito sentido a gente dar dinheiro por dar. Ele vai ser dado para que a criança possa fazer alguma coisa com aquele dinheiro.

No caso da minha filha Maria Eduarda, quando ela começou a receber a semanada, ficou bem claro quais seriam as responsabilidades com aquele dinheiro. Ele era para comprar algo depois da escola ou depois do balé. E aí, isso permitiu à Maria Eduarda descobrir uma das maiores verdades que a gente precisa entender na nossa vida financeira: que o dinheiro não dava para fazer tudo aquilo que ela gostaria de fazer. E a partir disso, ela teve que começar a fazer escolhas. Não dava para ela comer pipoca todos os dias, por exemplo.

Um erro que muitas vezes os pais acabam cometendo é: acabou o dinheiro da criança e mesmo assim eles compram uma pipoca por não querer ver o filho triste. Mas o que acaba acontecendo é que essa criança perde a oportunidade de sentir algo que é fundamental: o preço das nossas escolhas. E se os pais mantêm esse pensamento de não deixar faltar nada, mesmo se a mesada acabar, essa pessoa corre o risco de se tornar um adulto que não sente o peso das suas escolhas. Mas ao contrário da criança ou adolescente, no qual isso era financiado pelos pais, na idade adulta, quem vai financiar essa falta de escolha? O cartão de crédito, cheque especial, etc.

  1. Como os pais podem ensinar seus filhos a poupar?

Poupar é deixar de fazer algo hoje para poder fazer no futuro. E, obviamente, os nossos filhos nascem com um sentimento de urgência muito grande. Inclusive é isso que garante a sobrevivência dos bebês. Mas, à medida que eles crescem, esse sentimento pode diminuir. E como podemos fazer isso? Com ações muito simples do nosso cotidiano. E como podemos levar isso para a poupança financeira? Podemos usar algumas ferramentas como o próprio cofrinho ou “porquinho”, que é uma ferramenta muito boa que pode ajudar nesse sentido, no qual a criança vai guardar o dinheiro para fazer uma coisa lá na frente.

Lembrando que esse “lá na frente” precisa ter uma ligação com a percepção de tempo da criança. Por exemplo: “vamos guardar essa moedinha para você gastar nas férias ou comprar algo no seu aniversário. E, quando chegar esse momento, é importante que a criança participe da retirada das moedinhas do cofrinho, que é uma outra oportunidade bacana de aprendizado para a criança.

Para quem faz uso do cofrinho, é importante que de tempos em tempos ele seja aberto, porque seu objetivo não é gerar na criança um sentimento de entesouramento, e sim mostrar para ela que o cofrinho é para cumprir um objetivo num determinado momento. Além disso, é importante que a criança também participe da troca do dinheiro, para que ela entenda essa questão de valor.

  1. Você acredita que educação financeira deveria ser ensinada na escola? Por que?

Com certeza a educação financeira deveria estar presente nas escolas. A nossa formação se dá praticamente através de dois alicerces: família e escola. Como educação financeira, relação com dinheiro é um assunto muito importante, ele obviamente deveria estar presente nesses dois ambientes.

  1. A partir de que idade os pais podem começar a pensar em investir visando o futuro dos filhos? Que alternativas você recomenda?

Nas minhas palestras, muitos pais me perguntam que tipo de investimento podem fazer pensando no futuro dos filhos. E eu sempre respondo: a melhor coisa que você pode fazer para o futuro do seu filho é cuidar do seu futuro, para que cuidar de você no futuro não seja uma cruz que ele não consiga carregar. Por que eu digo isso? Pois muitas vezes as famílias estão preocupadas com os filhos e qualquer sobra que se tenha no orçamento familiar, começam a poupar para uma festa de 15 anos, ou para levar os filhos para a Disney, por exemplo. E aquele investimento para o futuro fica de lado. Só que o tempo passa e esse momento não chega. Estamos vivendo cada vez mais e viver bem demanda um recurso. E como vamos financiar essa questão? Precisamos nos preparar para isso.

Mas óbvio que se dentro do orçamento familiar, também há espaço para se preocupar com o futuro das crianças, os pais podem pensar em alguns investimentos. Aqui em casa mesmo, para meus dois filhos, nós investimos um valor mensal para que, quando eles completarem 18, 20 anos, eles tenham um valor para realizar algum sonho. Mas tudo de forma equilibrada.

E hoje a gama de investimentos é muito grande, desde aqueles mais conservadores, como tesouro direto e CDB, até investimentos mais ousados como ações.

  1. Como os pais podem ser bons exemplos relacionados à educação financeira?

Essa questão é fundamental. No adianta só ter um discurso de educação e de passar valores de uma boa educação financeira para o seu filho, se os pais tiverem uma vida exatamente contrária ao que eles pregam, uma vez que a educação se dá muito mais pelo exemplo. Então, de nada adianta pais mostrando preocupação com o consumo se eles são consumistas desenfreados.

É preciso ter uma vida financeira saudável, um bom relacionamento com o dinheiro, para que seus filhos possam, inclusive, aprender a partir disso.

  1. Para os pais que estão querendo introduzir o assunto com seus filhos, qual de seus livros você recomenda?

Para os pais e escolas que querem trabalhar educação financeira dos filhos, a ultima obra que lancei “Meu dinheirinho”é o recomendado. São quatro historias e cada uma trabalha um dos pilares: ensiná-los a ganhar, a gastar, a poupar e a doar. E de uma forma muito lúdica, com situações do cotidiano de uma família, vivenciando oportunidades de praticar esses valores.

Ano passado eu publiquei o livro “Sim, dinheiro é assunto para crianças” e esse é voltado para os adultos. E ele trabalha reflexões das melhores formas de trabalharmos com nossos filhos exatamente na direção de oportunizar esses quatro pilares.

  1. Algum recado que você gostaria de deixar sobre educação financeira e filhos?

Diante de toda incerteza que a gente tem em relação ao futuro, eu acredito que todas as ferramentas que pudermos dar para nossos filhos para que eles sejam capazes de enfrentar todos esses desafios é fundamental. E, obviamente, que uma boa relação com o dinheiro pode se transformar em uma habilidade que os credenciem e os ajudem a ter sucesso e conseguir enfrentar todas essas dificuldades.

Hábitos saudáveis na relação com o dinheiro, bons valores em relação a entender a importância de se ganhar dinheiro, de como se gastar bem, de refletir bem sobre nossas escolhas, de se poupar, de guardar dinheiro para nosso futuro, de planejar aquisição e realização de sonhos e também a importância de se doar, que é compartilhar com as pessoas sem nenhuma expectativa de troca.

Eu acredito que esse é um valor extremamente importante e que muitas vezes não vemos tão presente no cotidiano das famílias. E esse doar vai desde a questão material, como por exemplo, doar brinquedos ou roupas que nossos filhos não usam mais. Como também mostrar para nossas crianças que eles podem doar atenção e conhecimento. E é fundamental que nossos filhos participem desse momento.

arquivo pessoal

Carlos Costa é economista formado pela UFMG, professor de MBA no Senac, proprietário da Harpia Desenvolvimento Financeiro e autor dos livros “Meu dinheiro”, “Meu dinheirinho” e “Sim! Dinheiro é assunto para crianças!”.


Quer saber mais sobre o assunto? Confira a matéria de capa da Edição 24 da Revista Mommys.


Imagem: istock

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