Nos quatro primeiros meses do ano, eu já contabilizei nas minhas leituras 16 livros. E o livro que eu reservei para falar nesta coluna para as Mommys foi exatamente o que eu mais gostei de ler neste período. Hibisco Roxo, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, foi uma grande surpresa para mim e eu gostaria de compartilhar esse sentimento com vocês. Ela apresenta uma escrita maravilhosa e delicada, apesar de temas densos e tristes, envolvendo religião, relacionamento abusivo e muito fanatismo.
Estamos falando da Nigéria, um país da África ocidental, que tem a maior população cristã desse continente. Um país que teve colonização britânica já no final do século XIX e início do século XX. Sua independência aconteceu apenas em 1960, mergulhada em uma profunda guerra civil. Até o ano de 2011, o poder alternava-se entre ditaduras e civis democraticamente eleitos. A eleição presidenciável de 2011 foi a primeira a ser considerada verdadeiramente democrática e justa.
Esse país é dividido ao meio entre cristãos (sul) e mulçumanos (norte). Uma minoria da população pratica religiões tradicionais e locais, como as religiões Igbo e Iorubá.
É estranhamente injusto que a Nigéria, o sétimo país mais populoso do mundo, conhecido com “O gigante da África” por causa da sua produção econômica e por ser rica em petróleo, seja, ainda, esquecido pelo resto do mundo e pelos noticiários. E o pior disso tudo é que a maioria de sua população continue vivendo sob uma miséria absoluta. E é exatamente nesse contexto que se passa Hibisco Roxo, de Chimamanda.
Essa é a primeira obra da escritora nigeriana, publicada em 2003. Hibisco Roxo é um romance maravilhosamente bem escrito pela autora nigeriana, que traz questionamentos importantes e informações sobre um país africano pouco conhecido por nós.
O livro mostra as consequências do fanatismo religioso empregado em um núcleo familiar e até onde as pessoas podem chegar quando oprimem e exercem violência em nome de Deus. Mostra também a que ponto elas chegam quando são submetidas a relacionamentos abusivos e à opressão.
A história se passa na Nigéria. Sob influência da colonização branca, um patriarca, religioso fanático do catolicismo que rejeita os costumes locais, oprime a própria família (esposa e dois filhos) e imprime nessa relação um padrão extremamente rigoroso de comportamento e obediência, com punições severas em caso de descumprimento e um grande nível de sentimento de culpa. A punição é física e psicológica, sempre em nome de Deus. A narrativa é feita em primeira pessoa por Kambili, a filha mais velha, e ela mostra como o seu pai foi destruindo tudo e todos que estavam bem próximos a ele, em uma mistura de fé, medo e superproteção.
O título faz referência, de forma superdelicada, de como os filhos dessa família desabrocharam, assim como a muda de Hibisco Roxo que foi dada ao caçula Jaja pela sua tia Ifeoma, personagem crucial para esse desabrochar de vida.
Esse livro mostra como essas crianças, protagonistas dessa história foram destituídas de identidade. Jaja e Kambili não tinham vontade própria, desejos, aspirações. Eram robôs conduzidos pelo pai. Assim, como a mãe.
Mas, até quando um ser humano pode suportar tamanha opressão, mesmo amando verdadeiramente aquele opressor? Até conhecer a vida.
Essa é uma história que mostra uma família que se ama. De verdade. Oprimidos e opressor se amam. No entanto, em nome de Deus, a obediência deve vir em primeiro lugar. E os castigos pela desobediência são monstruosos. Aqui, o opressor acredita que essa é a condução correta para a educação dos filhos e, também, para o relacionamento com a sua mulher. E essa é a complexidade dessa história.
Além disso, esse patriarca rico vive de forma abundante, diferente de grande maioria do país, inclusive de sua família, que vive grandes restrições. E ele, no decorrer da narrativa, dá algumas migalhas aos mais pobres. Muitas vezes, as limitações da família é tão acentuada, que seu pai (um personagem desprezado pelo filho por não seguir a mesma religião) não tem nem o que comer.
Esse livro, além de ter sido o melhor que eu li neste ano de 2019, entrou para o rol dos meus favoritos da vida. Leitura fortemente recomenda.