A Sociedade Literária e a Torta de casca de batata (The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society / 2018)
Apesar de ser uma amante da literatura, nunca participei de um clube do livro. Talvez essa seja uma das minhas vontades que ficou para trás com a chegada da maternidade. Mas sempre que posso, estou lendo. Lendo no meu ritmo e quando dá. É uma dinâmica que não funciona em um clube do livro, pelo simples fato de não conseguir acompanhar os demais participantes. Por isso, talvez, os filmes tenham ocupado grande parte da minha grade de entretenimento. Afinal, o que são duas horas sentadas no sofá em frente à TV ou numa poltrona de cinema, comparadas com pelo menos uma semana com um livro na mão?
E tudo se completa quando essas duas formas de arte se unem numa só. Afinal de contas, a indústria do cinema e do streaming tem adaptado livros para as telas numa frequência bastante considerável. Não estamos aqui para discutir a complexidade do conteúdo de um livro com a praticidade e imediatismo de um filme. Jamais. Como disse antes, duas horas de película não possuem a mesma riqueza de detalhes que 500 páginas de papel. Mas o cinema é mágico, é visual, é midiático. E aí como se não bastasse, vem alguém e transforma um livro em um filme que fala sobre literatura. Impossível não amar.
A Sociedade Literária e a Torta de casca de batata é exatamente tudo isso. Um livro de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, transformado em filme pela Netflix, por Don Roos (Marley & eu) e Tom Bezucha (Monte Carlo) e dirigido por Mike Newell (Quatro casamentos e um funeral). E o melhor: um drama cheio de romance e referências literárias de deixar qualquer livrólatra babando. Entre eles, estão: Charles Lamb, Shakespeare e Jane Austen.
O filme conta a história de Juliet Ashton vivida por Lily James (Cinderela). Juliet é uma jovem escritora em ascensão que vê sua carreira decolar sob os holofotes de um pseudônimo masculino. Em meio a um bloqueio criativo, Juliet recebe uma carta de Dawsey Adams (Michiel Huisman – A incrível história de Adaline), e vê ali uma oportunidade de contar ao mundo, algo bastante inusitado. A história de um clube do livro criado do nada, em plena Segunda Guerra Mundial, com apenas um propósito inicial: salvar um grupo de amigos de Guernsey, do exército alemão.
Além de uma bela fotografia e locações de tirar o fôlego, o que mais chama a atenção no filme é o seu elenco. Além do talentosíssimo Tom Courtenay, temos também: Jessica Brown Findlay, Matthew Goode e Penelope Wilton, que já são rostos conhecidos da série britânica Downton Abbey. Personagens complexos e extremamente humanos, capazes de emocionar até o mais frio dos mortais. Principalmente a viúva Amelia Maugery vivida por Wilton, que consegue transformar toda e qualquer incredulidade em empatia e compaixão. Ela, com toda certeza, é a cereja do bolo, ou melhor: dessa linda torta de casca de batata.
Mas, do que se trata este filme afinal? Quando comecei a assistir, logo pensei: “Ok. Mais um filme sobre guerra”. Eu tenho bastante resistência aos filmes de guerra. Não só pelo sofrimento humano, mas também pela narrativa triste e metódica. Neste caso, porém, o autor decidiu ir por um viés mais suave. Contar sobre a vida de seus personagens, mantendo a guerra como pano de fundo, que só era mostrada ao espectador por meio de Flashbacks. Aos 18 minutos e 50 segundos, é possível entender o verdadeiro significado desta obra. A autora usa um porco assado para aproximar as pessoas. E eu não estou falando de matar a fome de alimento, simplesmente. Mas de matar a fome de comunhão e amor. Pessoas sentadas à mesa comendo e conversando é um gesto extremamente raro em tempos de guerra.
O mais bonito em A Sociedade Literária e a Torta de casca de batata é a forma como a arte literária foi usada para aproximar às pessoas. Livros sendo utilizados para salvar vidas. Eles possuem a capacidade de transformar o mundo em um lugar melhor. Um refúgio para a alma, uma proteção contra toda a feiura que a vida real nos remete. Quando abrimos um livro é como se fôssemos teletransportados para outro tempo, outra história, outra vida. É a chance de viver algo que jamais poderíamos imaginar viver.