Sementes Podres (Mauvaises Herbes – França, 2018)

Estamos tão habituados com os padrões hollywoodianos, que, quando nos deparamos com um filme de outro país, temos a tendência a torcer o nariz em sinal de rejeição, e, com isso, perdemos muitas vezes a oportunidade de conhecer uma outra forma de olhar e contar histórias.

Isso não acontece com quem decide assistir Sementes Podres, uma produção francesa da Netflix do comediante francês Kheiron, que também atua, dirige e assina o roteiro desta obra prima. Uma verdadeira lição de vida, que chega quebrando todos os paradigmas possíveis a que estamos acostumados.

Após o assassinato dos seus pais no Oriente Médio, o menino Wael (Aymane Wardane) passa a morar nas ruas da cidade se passando por deficiente visual. Desta forma, ele consegue sobreviver em meio ao caos da Revolução Islâmica cometendo pequenos delitos. Após presenciar um duplo homicídio, ele tem a sua vida salva por Monique, interpretada pela talentosíssima Catherine Deneuve. Depois de fugirem para a França, sua terra natal, Monique junto com Wael (agora interpretado por Kheiron na fase adulta) aplicam golpes em um supermercado local para sobreviverem. Após falhar em um destes golpes, eles se veem obrigados por Victor (André Dussollier) a exercer um trabalho voluntário com jovens desajustados do ensino médio. E este é o começo de um lindo e sonoro “tapa na cara” da sociedade atual.

Sementes Podres possui um viés autobiográfico, pois Kheiron, que nasceu na capital do Irã, também precisou fugir da revolução dos aiatolás quando criança, e acabou se mudando para a França onde conquistou seu espaço como comediante, ator e cineasta. Temas como pedofilia, bullying, xenofobia e tráfico de drogas, são tratados nesta comédia dramática como pano de fundo, mas são elementos cruciais para entendermos o verdadeiro significado da trama.

Em um mundo permeado por tantas desigualdades sociais, Sementes Podres vem como um retrato fiel da realidade de muitas pessoas nos dias de hoje. Apesar do significado complexo e intenso que possui, o filme é relatado de forma leve e isso faz com que busquemos uma identificação e até mesmo empatia para com os seus personagens infratores. Mas não se engane! Em alguns momentos, você vai se deparar com cenas de intenso sofrimento humano, mas que são extremamente necessárias virem à tona.

Apesar das primeiras cenas já causarem impacto mostrando como as pessoas vivem em território de guerra, o que mais choca são as cenas mais veladas, onde nada é mostrado, mas faz com que possamos imaginar e sentir ao mesmo tempo, usando como recurso os enquadramentos, a luz e os sons. O poder da simulação a serviço da imaginação e dos sentidos. É como se os fatos acontecessem por “debaixo dos panos” e cabe a nós, meros expectadores, darmos sentido e imagem para elas.

E de uma coisa podemos ter certeza: é impossível passar ileso por tanta sensibilidade e empatia. Uma vontade de pegar na mão de cada personagem e dizer: “vamos juntos, a gente consegue.” E essa é a grande beleza de Sementes Podres. Se colocar no lugar do outro, e ter a certeza que juntos podemos tudo.

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